quarta-feira, 8 de dezembro de 2021

madrugada

pelas frinchas da porta
ainda cerrada
a luz da madrugada
ainda coada
entra
sem dizer nada.

e de meus olhos dormidos
um claro despertar
do novo dia a chegar.

para trás 
a noite foi-se deitar...
no meu lugar.

terça-feira, 30 de novembro de 2021

horas minhas

bebo todos os esquecimentos

nos ventos impiedosos 

do fim da tarde. 


já nada sei do que esqueci 

no sol ímpio da mortalha.


sobre a pele

estende-se a memória 

adormecida ou em falha.


não consigo apreender

a sua vontade de esquecer. 


quero recordar

quando o sino toca e o seu eco ecoa 

na planície da vida.


lembra-me as horas findas

ou outras que foram minhas.

domingo, 28 de novembro de 2021

(:-

dos pássaros em mim

como se a brisa 

rasgasse as ondas

e ao meu corpo chegasse

esse aroma

maresia em voo sem fim

bailado de alma

num chão de mar.


e seria gaivota no teu olhar.

sábado, 27 de novembro de 2021

Longa estrada

Não é por ti nem por mim

Não é por uma profunda paixão

Não é por te dar a mão

É por este caminho sem fim

Que para trás ficou 

Sem sabermos onde começou.


quinta-feira, 25 de novembro de 2021

O caminho

Na mais empoeirada "picada"

de cajueiros e acácias ladeada

desliza a mota

dentro de sulcos e perícia.


- Corro para os teus braços, mãe!


Desprendem-se das galáxias

nesta estrada tão longa

as pétalas que o teu amor tem.

domingo, 21 de novembro de 2021

Doidos amores

Minha amiga se perdeu

onde teria posto a pata?

Ai, agora, que faço eu

Ai, doida da minha gata.


Não sabe ler ou escrever

E muito menos falar

Se alguém a voltar a ver

Que lhe diga p'ra miar


Ai, pobre da minha gata

Que passa a noite ao luar

Perdida em amores de lata

Se ninguém a encontrar.


sábado, 23 de outubro de 2021

Apenas Tanto*

 

Um só dia bastante seria

se esse fosse o único dia

o dia em que te conhecia.


Seria o dia que marcaria

a vida vivida desse dia

na vida que então teria.


Dessa vida outra vida nasceria

tão diferente tão pungente

tão cheia onde jamais morreria.


Eterno sonho que alcança

o azul celeste dos anjos

numa constante mudança.


E se porventura a criança

fosse sempre esse dia

então não haveria noite

a matar a crua esperança.

*frase "roubada"

segunda-feira, 18 de outubro de 2021

indiferença

bolsos vazios sem vintém

como um filho 

que não reconhece a mãe.


mãos estendidas 

a iludirem promessas que não tem.


nunca teve intenção de pedir

muito menos a desgraça de cair

abandonado como um cão.


muita gente sem o ver

já ninguém repara

já ninguém lhe estende a mão.


tornou-se transparente.

.........

AQUI:"Portugal está mais pobre. Nas famílias, nas empresas, na riqueza que é criada a nível nacional. A pobreza não tem idade, prolifera tanto entre os mais jovens como entre os mais velhos e vê-se cada vez mais nas ruas. Basta voltar a percorrer o centro histórico da capital para reparar como essa dura realidade está presente. Agrava-se a miséria e a situação dos sem-abrigo. Não podemos ficar indiferentes aos números revelados ontem - Dia Internacional da Erradicação da Pobreza e dos Sem-Abrigo - pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. No último ano, 212 pessoas morreram nas ruas da capital sem que ninguém desse conta, sem que qualquer familiar reclamasse o corpo. Que país é este onde isto acontece? Que democracia estamos a construir e assente em que valores e em que modelo de desenvolvimento?"

quinta-feira, 7 de outubro de 2021

Ary dos Santos _ poeta quase esquecido

1936-1984


Nem um poema nem um verso nem um canto...

Podem as pedras versar que todo o poema
é  Beleza mesmo que não possam falar

E dos seus versos um há-de encantar que a liberdade foi construída nas prisões em dias frios de rachar

Podem os pássaros cantar que do seu canto algum há-de deste poeta falar

Nem um som nem um grito nem um ai....

Calem-se as vozes que meu canto traz os cheiros sabores e cores duma laranja amarga-doce na sede que me faz gritar


" -- O meu amigo está longe
e a distância é bastante. --"

Senhor água torrente sentimento gente
enxurrada quase demência sem margens 
sem desistência

Flor vermelha um só cravo cravado
na lapela e coração Senhor azul num céu cinzento e das cinzas seu tormento
Senhor esquecido amargurado ferido e 
tanta solidão festa que foi consigo...

Porém quando quando por vezes és de pedra
não mármore mas árvore mas dura do fundo do teu mar levanta-se a
cratera
da nossa lusitana sepultura.

Senhor aristocrática plebeia firmeza
bebedeira da vida leveza escrita purgada palavra pureza dorida noitadas de insónia desmedida

Oh fel de infância família raiz apodrecida

Ai fonte que eu não oiço ai mãe ai mel
da flor do corpo que me traz à míngua.

Só e amigos e partido
partido consciência 
partido sangue 
alma 
e jardim de cristalina poesia
alguma musicada
cantada
revelada 
de épica trova ao vento largada.

Este mar não tem cura este céu não tem ar

(em itálico e bold, excertos de poemas de Ary dos Santos, in Antologia Poética)














sábado, 18 de setembro de 2021

o som do silêncio

 de ti 

levarei o sol das manhãs

e o canto da tua voz.

levarei as lágrimas caídas

em tardes desprovidas.

e, se não bastasse

levarei o olhar do meu regresso

mesmo se a noite se calasse.

.....

medra a noite 

escura

com a mais bela

das estrelas

pura

e o meu céu em

brandura.


bem perto

à minha beira

essa estrela

na longa noite

companheira.


luz intensa

quase cegueira

fonte e desejo

na pele 

ternura

quase frescura.


sábado, 4 de setembro de 2021

águas do morro



quase morro
no desejo desse beijo.

aquece
e esquece
quase brasa
soprada
na fogueira
do teu corpo.

águas mil
de abril
meus caracóis
em passos lentos
aguradam sóis
para de perto
sentir aberto
o húmus
deste alimento:

sonho e firmamento.

terça-feira, 27 de julho de 2021

...

chamo a sombra de ti
quando o sol é mais baixo.

não quero vê-la fugir 
p'rá'lém de mim.

.....

esta viagem, este caminho
tão curta, tão estreito
mas não sózinho:
comigo vais
mesmo que só em pensamento.
.....

do silêncio das flores
ao apelo
aromático das cores
toda a ternura
do suave peso
que aos insetos é pedido.

na troca
a essência do néctar
oferecido
pela troca do beijo
longe transmitido.

.....

eu que nada sei
das palavras que te emprestei
e aos teus lábios colei
sei que as posso dar como
perdidas.

escondidas
nas folhas brancas - incompreendidas
de tão amarrotadas
arderam na lareira
em chamas aladas.

páginas de vida - queimadas
agora de cinzas
caladas
perderam a luz de sonhos - castradas.

sei da angústia de mim - desprendida
e da minha boca
outra não leu novas palavras
por não saber a quem as dizer .

.....

(na boca dos ventos, uma ave desce do ninho focada na presa)

tão alto voa a águia
de seu ninho
que só tem em pensamento
voltar cedo
e alimentar o filhinho.

.....

em água me cresci rio que
desce de ti.

teu corpo ondulante rasgou 
ventos de ocidente.

o suor que semeou e as 
lágrimas que libertou...

quanto de doce foi tua dor
e em oriente me transformou.

tiveste-me onde esperavas
como tela 
em branco pincelada
de riscos em pele madurada.

.....

quando sabia as horas...

despida e tão nua
a tua rua
de laranjas e amoras
desde que lá não moras.

delas perdi o sabor
do que foi aquele amor.

.....

j.o. 2020_ Tokyo

desfilavam e
dançavam
agarrados a um pau de bandeira
a nossa - a deles
e pulavam - rodopiavam
ela branca e sorridente
ele negro e contente.

como é belo este nosso país
de gente.

.....

(a Otelo) - 25.4.74/25.7.21

não foi a morte que te matou
hoje
foi a vida, esta, que da revolução 
seus filhos devorou:

sonho
que um dia teve asas e voou.

a cada passo teu
fica a certeza de - muitos - não te terem perdoado o fim do fascismo.
(fascismo que nas suas mentes perdurou)







sábado, 29 de maio de 2021

Hoje faço anos...

Hoje faço anos

Há muito tempo que não fazia anos
Em todo esse tempo decorrido,
de dias, horas e outras passagens,
comemorava respirações, momentos de alucinadas visões
Também fazia paragens, debaixo das árvores, a descansar 
de caminhadas ilusões
Hoje, porém, movimento-me, na esperança de não chegar atrasado 
e deslumbrar-me com a beleza da paisagem
Hoje subo ao cume do mundo e de lá contemplo o dia dos meus anos 
como se fosse o único ser a fazer anos
Não sei há quanto tempo dou espaço
aos passos que dou sem, contudo, sentir o chão que piso
Sou uma sentinela de mim mesmo, uma sombra, um labirinto sem aviso
Para trás ficam caminhos percorridos
e outros a que não voltarei, jamais
Um passado de asas quebradas que não voará ao encontro do presente
Mas hoje faço anos
Tantos, que já não os sei contar, agregados à pele que os viu chegar
Pergunto porque ainda os hei-de somar
Talvez tenha a obsessão de ver onde
eles hão-de acabar.
É fundamental não me esquecer que hoje faço anos e que amanhã, 
se me não lembrar que hoje fiz anos, é porque deixei de fazer anos
A memória é tão importante como a vida
Respira-se o ar como quem pensa, como quem age, como quem existe, 
como quem é
Ontem também fiz anos
E anteontem
E tresantontem
E mais atrás, ainda
Todos os dias são dias dos meus anos
Amanhã, mais um dia me espera na espera de que faça anos
Bem pode esperar o amanhã de todas as incertezas, quem sabe, 
não tenha o dia uma qualquer surpresa
Amanhã talvez não faça anos
Deixo para os outros, que também farão anos e merecem comemorar os seus anos
Mas hoje, que faço anos perguntou-me porquê? Porque faço hoje anos, se não faço anos
Pelo menos, que me lembre...
Ou será que hoje me enganei e não é o dia dos meus anos?
Já não tenho a quem perguntar qual é o dia dos meus anos
Morreram todos e com eles a memória viva
de quem se lembrava, sempre, do dia dos meus anos
Agora não posso confiar nas datas em documentos a dizerem-me que hoje faço anos
Onde se diz, nascido no dia tal, deveria constar, nascido todos os dias de tal
Fabricados, impressos e datados, por outrem, ou máquinas construídas por outros, 
para a todos enganarem, todos os documentos faltam à verdade
E, de certeza, enganaram-se
Como se enganam em tanta coisa
São, assim, os meandros da percepção
Mas, mesmo assim, vou considerar que hoje faço anos
Quem se importará se hoje é ou não o dia dos meus anos?
Portanto, hoje faço anos
Só tenho de fazer saltar a rolha da garrafa, com espumante fresco 
como, aliás, o faço todos os dias

E bebo sozinho ao dia dos meus anos
como se este fosse um dia de não enganos. 

Porque hoje não faço anos.






segunda-feira, 10 de maio de 2021

passagem

a minha ideia era simples:
acordar cedo
ver o sol raiar
o céu escurecer
as nuvens passarem
a chuva cair
e o tempo morrer.
nada disso foi visto ver.
perdido
na contemplação
dum estranho anoitecer
que há-de ainda ser
deixei o tempo viver
no tempo que ele quis ter.

domingo, 11 de abril de 2021

desejo


I.

à boca seca do cântaro

o destino aberto

ao encontro.

e a fonte enamorada

canta o seu canto

encantada

por se saber desejada.


II.

sopra poesia nas folhas 

verdes 

das árvores.

mariposas palavras

ao vento 

arrastadas

a sonharem dispersas

o encantamento dum encontro.

terça-feira, 30 de março de 2021

Acorda, noite!

Esquecer a beleza
Das manhãs
Os cheiros doces
Das maçãs
A hora finda
De esperas vãs
Numa dor vinda
Sem se saber
Onde nasceu
E onde cresceu.

Teria sido a noite que se perdeu?

quarta-feira, 24 de março de 2021

dois corações

era tão luminosa a manhã
e tu só querias sentir 
um pouco de calor

" - amor, tenho frio!"

este já não é o tempo 
dos nossos corações 
se aquecerem por dois

agora, fundidos num só 
sentem sempre 
o mesmo frio.


terça-feira, 23 de março de 2021

beijo

podes dar-me o céu
as estrelas, ou o ar
mas não me podes tapar
o sonho com esse véu

dá-me só o azul das penas
para eu poder voar

este sou eu, ciente
de corpo quente
a fecundar o desejo
na liberdade do beijo

domingo, 21 de março de 2021

Primavera II - Dia da Poesia



Às vezes os sorrisos 
despertam da letargia 
com que os lábios 
escondem emoções.

Libertam-se do cerro 
dos pensamentos 
e formam a ideia dum 
mundo melhor 
que o envolvente.

Hoje, não há só sorrisos 
a crescerem. Há palavras 
a reforçarem a luz caída, 
num dia de primavera. Há, 
também, novas flores 
nas árvores de jardim 
a prometerem um olhar 
doce 
a quem do mel faz os dias 
azedos do confinamento. Já 
podemos respirar 
um pouco mais e 
deixar de pensar nos dias e 
noites 
entre quatro paredes. Sair. 
E ver outros rostos, 
outra maneira de viver.

É certo 
que nem tudo são rosas...
um ano é muito tempo, 
quando o tempo morre 
com falta de movimento. 
Poderia dizer: 
- movo-me, logo existo!

Apesar 
de não me ter cruzado 
com nenhum abastado 
a ajudar quem só vê escuridão, 
hoje o dia é de luz e afeição.



quinta-feira, 4 de março de 2021

calor

essência do odor
desse dia de espera
e a flor
na lapela.

janela aberta
ao ramo de laranjeira
e a marcha nupcial
ainda à lareira.

a noite faz-se
na queima dos dias.




quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

momentos...

Somos a rosa-dos-ventos

desenhada num papel

mapa dos pensamentos 

emoções de cardos e mel.


Somos a rosa-dos-ventos

sem divisão das nações

cada um de nós em momentos

nas desenfreadas paixões.


Nada mais fica de fora

desta primavera em flor

só nos resta esta hora

para escrever este amor.


Encontramo-nos os dois

numa última fronteira

o dia e a noite inteira

no alto-mar navegado

na rabisco do poema

com marés no pensamento

como se fosse a vez primeira.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

eterno jardineiro

 





nascida numa manhã
cuidada o ano inteiro
de sol, chuva e noite vã
dum amor verdadeiro
minha amiga é uma flor
a perfumar a existência
no mais belo esplendor.

uma antiga experiência...
cresceu, fez-se mulher
em arco-íris de cores
e beijos de bem-me-quer.

por vezes tomo-lhe as dores
torno-as minhas com fervor
e das minhas abertas mãos
toda a mirra ao corpo dou
sem pensar
como chegar e onde vou.

é uma flor, lugar primeiro.
sou seu eterno jardineiro.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

a casa do lago

1.
procuras os caminhos
na infância percorridos
que dos apagados trilhos 
só a lembrança do tempo
tão depressa corrido
fica a doce idade-menino.

2.
não se deu por nada...

um ano passou
entre quatro paredes
janelas fechadas 
e sorrisos presos.

uma súbita mudança
lá longe
onde os olhos 
não viram nada
e o mundo rasgou-se
sem alvoradas
diferente do que era 
noutra era.

um sono constante 
pairou 
sobre o tempo 
parado
e o fogo aberto 
queimou
destinos e alegrias
sem olhos abertos 
a verem o dia 
que noite já era.

e a cada momento 
da memória o passado 
perdido
com saudades 
do futuro
agarrado 
ao presente esquecido.