segunda-feira, 29 de agosto de 2022

soltas


1.
Se me vires chorar não penses
que é por não te amar.
Choro pela ausência
de todo o meu ser
por vezes
ter de mim de se libertar.

2.
Se poema for...
muitos anos serão
muitos caminhos à mão
muitos desatinos darão.

Percorrido desde o nascer
desde o primeiro som
ao aprender a ler (e compreender)
até a palavra crescer
um bom poema só pode ter
uma vida
esta, companheiro.

3.
Meu despertar
cai de mim
no chão pálido
do luar.
Pássaro esguio
parado
sem voo ou seu cantar.
Desesperado
com a noite a avançar
dispara o terno olhar
sem contudo se fixar.
Só um ponto
é sentimento
este que a memória traz
aos olhos cegos cansados
para novos acordares.

4.
Poesia esta
de alma vazia
que a nada chega
e nada cria.
Tão vã
e tão fria
que mais parece
nuvem chã
e esguia.

5.
Do outro lado do muro

piquenique de chuva ácida
e a dor húmida da tempestade.

febre no ventre do vento
que o fogo traz agreste
como sorriso esmorecido
na morte prematura da árvore.

carvão de vaidades
que arde
na fogueira da guerra.

notas de pasta-papel
soltas
lambidas no desespero dos justos
voam em fumo
a taparem todos os sois
e a garganta sufocada da terra

dó-mi-sol
som e luz
sombra e pavor
e uma clareira
a desenhar uma teia.

e a verdade
escondida atrás da floresta
quando a cotovia
entre escombros e pó
já se não se ouve
onde antes se ouvia.

corações parados
no silêncio entre trovões
aos milhões
como se vozes entrassem
por dentro dos muros
e as pedras falassem
em murmúrios.

queixas que oiço
em poços secos de esperança
fantasmas ou demónios
em gritos abafados de rouquidão.

verdades verso mentiras
ou nova ordem escondida
como se em outra língua escritas
não fossem traduzíveis
por tão desconhecidas.

tão difícil entender...

chegar
sem se perder
ou partir
sem se deter;
achar
a compreensão
a harmonia
dum fértil chão.

pode-se dar ao barro
a forma que se quiser
mas sempre será barro
mesmo nas mãos
de quem moldado o quer.

os mesmos erros
esquecidos
na memória de tempos idos
circunstâncias
há muito desenhadas
dos mesmos fantasmas
ou demónios.

são todos loucos.
tão loucos que da sua loucura
só moldam destruição.

alguém canta uma canção
melodia triste
como triste pode ser esta dor
e aflição.

só quem a ouve pode sentir
esta incompreensão.

do outro lado do muro
erguido
minado
um sorriso apagado
chão este que piso
sem compreender
o que poderá acontecer.

outros saberão
sabendo no que darão.

6.
Alice
vila longe
de anos e memórias
como se te visse
agora
nos dezassete anos
que foram embora.

No coração da cidade
entre a escola e a morada
a estrada
idade passada
por mim
como mola.