vento suão

hoje o poeta dormia

entre vinhas da ira.

o poeta dormia...

palavras em cachos

espreitavam

pendurados da solidão

o sol

dourado da paixão.

o poeta acreditou um dia...

que das raízes redondas

cresciam

verdes folhas

de juventude e utopia.

mas quem sulcava a terra

suava poemas

no arado da servidão.

e o poeta deixava

as palavras morreram

na voz do vento suão.

caminhos

foto lmc

Deixei para trás o caminho

e entrei na noite
com lençóis feitos de linho

ainda ouvi os
outros pássaros
na procura do ninho

perdido
encontrei o leite e o mel
e a eternidade

e dos frutos ficou

quase felicidade
o sabor eterno do pecado


sei agora
esse outro caminho
que me leva a ti
perto do destino.

águas serenas

"Do vale à montanha,

Da montanha ao monte...[...]"

Fernando Pessoa 

......

sei da riqueza 

maior

em ser amado

e da árvore

em seu ninho

a sonhar sois

sei dos frutos

leite e mel

em desejos saciados

e quente pele

sei dos caminhos

pela noite

e dos carinhos

em planícies e sentidos

sei das serpentes

a guardarem

os seus ovos

e outros perigos aos meus olhos

sei das raízes

pastoreadas

doutros dias

e das memórias deste chão

sei das madrugadas

a cantar

outros tempos

como pássaro

a voar

a vida presa por um fio

até ao fim

ou começo

nas águas serenas deste rio.

imbondeiro

"a árvore que sonhava pássaros" - mia couto

o tempo sou eu

no tempo que é meu

e em mim habita

uma vida

ou um só e raro dia

ventura ou desdita

e um corpo real 

p'ra o bem e p'ro mal

mas da poesia

que chega a ser sendo

o que tendo ficou

e pouco mais restou

e aos poucos aqui estou

ganhando e perdendo

naquilo que eu sou.

espaço-ar

foto lmc

Na página em branco

Branca como o olhar
Os pensamentos
Vagueiam
Como se quisessem poisar.
E nesse espelho
Entre mim e a vontade de flutuar
Fica o espaço-ar
Para mais tarde o ocupar.

(as árvores despedem-se das folhas secas
a sonharem novas primaveras)

pescadores

são mil e uma as estrelas

na noite, junto ao mar.

partem nos barcos do cais

sem saberem das redes 

com que se cercam os ais.

na boca um credo antigo

e nos olhos um céu ferido

com eventuais temporais.

cruzam das salgadas mãos

um destino partilhado

como se fossem irmãos.

e, se a sorte os bafejar

regressam felizes ao lar.

sombras

Lúcio Fontana

a luz da manhã rasga o sono
e a neblina adensa-se
no corpo.

já é tarde
para tanta sombra.

retalhos de vida

 - Bom dia, filha. Estás bem? Precisas de alguma coisa? 

- Não, pai. Esta’ tudo bem! 

- Tomamos um café?

- Sim, pai…vou-te buscar.

Bj. Ate’ já.

...

 Telefonei-te uma, duas, três vezes e tu não atendidas.

Cheguei a pensar que a minha memória
era doutra era e tu não existias.

Apaguei da agenda todos os nomes
na esperança de reescrever a nossa
estória.

asa ferida

 vi-a tão triste

e só 

como se a noite bradasse 
um desamor aos ventos 
desmedidos 
e o mar acalentasse tanta dor. 

metia dó. 

um arrastar de asa 
prendia-se ao pó 
e o sonho de voar 
já não mais era 
a vontade de por si lutar. 

os olhos falavam do abandono 
e nas roupas desalinhadas 
um misto de cores desbotadas 
a refletirem os cabelos baços 
contavam mudas 
uma estória esquecida. 

pela mão trazia um saco 
carregado de nada 
(uma imensidão) 
a lembrar tesouros de pão. 

perguntei-lhe se queria alguma coisa 
e ela disse-me: "- não!" 

sede

Que o meu amor por ti
seja um rio na sede
que vai em ti.

Já vi desertos que da água
em oásis se transformaram.

Santa Luzia

Viana do Castelo e as suas lindas mulheres,

rostos corados pelo dourado sol reflectido

no oiro ao peito reluzido e do amor, orgulho

e labor.

VianaFestas anuncia as datas da edição de 2020 da Romaria d'Agonia

Santa Luzia, Senhora da Agonia

Porque te chamas

Luzia

Senhora

Nome de Luz

E não de Agonia?

Porque seria

Que da cegueira

Tu vias

E mais bela te tornarias?

Vieste de la' longe

Da Siracusa

Cidade

E deste origem a

Romaria

Desde Viana

Do castelo

A Tavira?

Porquê , se iluminada

Tua existência,

Há Agonia?