Hoje faço anos
Há muito tempo que não fazia anos
Em todo esse tempo decorrido,
de dias, horas e outras passagens,
comemorava respirações, momentos de alucinadas visões
Também fazia paragens, debaixo das árvores, a descansar
de caminhadas ilusões
Hoje, porém, movimento-me, na esperança de não chegar atrasado
e deslumbrar-me com a beleza da paisagem
Hoje subo ao cume do mundo e de lá contemplo o dia dos meus anos
como se fosse o único ser a fazer anos
Não sei há quanto tempo dou espaço
aos passos que dou sem, contudo, sentir o chão que piso
Sou uma sentinela de mim mesmo, uma sombra, um labirinto sem aviso
Para trás ficam caminhos percorridos
e outros a que não voltarei, jamais
Um passado de asas quebradas que não voará ao encontro do presente
Mas hoje faço anos
Tantos, que já não os sei contar, agregados à pele que os viu chegar
Pergunto porque ainda os hei-de somar
Talvez tenha a obsessão de ver onde
eles hão-de acabar.
É fundamental não me esquecer que hoje faço anos e que amanhã,
se me não lembrar que hoje fiz anos, é porque deixei de fazer anos
A memória é tão importante como a vida
Respira-se o ar como quem pensa, como quem age, como quem existe,
como quem é
Ontem também fiz anos
E anteontem
E tresantontem
E mais atrás, ainda
Todos os dias são dias dos meus anos
Amanhã, mais um dia me espera na espera de que faça anos
Bem pode esperar o amanhã de todas as incertezas, quem sabe,
não tenha o dia uma qualquer surpresa
Amanhã talvez não faça anos
Deixo para os outros, que também farão anos e merecem comemorar os seus anos
Mas hoje, que faço anos perguntou-me porquê? Porque faço hoje anos, se não faço anos
Pelo menos, que me lembre...
Ou será que hoje me enganei e não é o dia dos meus anos?
Já não tenho a quem perguntar qual é o dia dos meus anos
Morreram todos e com eles a memória viva
de quem se lembrava, sempre, do dia dos meus anos
Agora não posso confiar nas datas em documentos a dizerem-me que hoje faço anos
Onde se diz, nascido no dia tal, deveria constar, nascido todos os dias de tal
Fabricados, impressos e datados, por outrem, ou máquinas construídas por outros,
para a todos enganarem, todos os documentos faltam à verdade
E, de certeza, enganaram-se
Como se enganam em tanta coisa
São, assim, os meandros da percepção
Mas, mesmo assim, vou considerar que hoje faço anos
Quem se importará se hoje é ou não o dia dos meus anos?
Portanto, hoje faço anos
Só tenho de fazer saltar a rolha da garrafa, com espumante fresco
como, aliás, o faço todos os dias
E bebo sozinho ao dia dos meus anos
como se este fosse um dia de não enganos.
Porque hoje não faço anos.
Subiste ao cume do mundo e de lá contemplaste o dia dos teus anos como se fosses o único ser a fazer anos.
ResponderEliminarParabéns Luís. Se não for porque fizeste anos, será por este poema que gostei tanto de ler.
Um beijo enorme.
Parabéns pelo poema, e pelos dias, de anos.
ResponderEliminarUm abraço!
Muitos parabéns meu amigo e muitas felicidades. Adorei o poema embora a minha alma sinta a nostalgia nele contido. Beijinhos com muito carinho
ResponderEliminarUm texto muito bom. Talvez por se tratar do dia dos seus anos, eu o li de forma bem intimista, como se fosse uma das convidadas da festa. Risos.
ResponderEliminarParabéns pelo aniversário. Saúde e amor pra ti.
Beijinhos ...